available also in English
  disponibile anche in italiano
  disponible también en español


O Poder da Estupidez

Por Giancarlo Livraghi
gian@gandalf.it
Junho de 1996

Versão em português de Maranhão Barros
orfeummb@tcu.gov.br
Março de 2003



A estupidez sempre me fascinou. A minha, é claro – e isso é motivo suficiente para grande ansiedade. Porém, a situação é mais grave quando se tem a oportunidade de observar importantes decisões tomadas por pessoas importantes.

Geralmente tendemos a culpar a perversidade intencional, a malícia astuta, a megalomania, e outros defeitos morais pelas más decisões. Tudo isso conta, é claro, mas qualquer estudo cuidadoso da história, ou dos fatos, leva à conclusão invariável de que a maior fonte de terríveis erros é puramente a estupidez. Quando ela combina com outros fatores (como acontece amiúde) os resultados podem ser devastadores.

Um dos muitos exemplos de estupidez é o uso da intriga e do poder de manipulação no que se chama de “comportamento maquiavélico”. Obviamente, ninguém leu os livros de Maquiavel, e não é isso o que o velho Niccolò quis dar a entender.

Outra fato que me surpreende (ou não) é o escasso material dedicado ao estudo de um tema tão importante como esse. Existem nas universidades departamentos para analisar as complexidades matemáticas, os movimentos das formigas do Amazonas, a historia medieval da ilha de Perima, mas nunca soube de uma Fundação ou Conselho Consultivo que dê apoio aos estudos da Estupidologia.

Encontrei pouquíssimos bons livros sobre o tema. Um que li quando era adolescente, e do qual nunca me esqueci, se chama Uma Breve Introdução à História da Estupidez Humana de Walter B. Pitkin, da Universidade de Columbia, publicado em 1934. Encontrei-o por acidente faz muitos anos, quando estava mexendo nas estantes de livros de minha mãe. Fiquei muito contente, quando fui a casa dela ontem para buscá-lo. Ele ainda estava lá. Assim, velho como é, ainda é um livro muito bom. Algumas das observações do Professor Pitkin parecem extraordinariamente corretas, sessenta anos depois.

Mas, por que o autor chama de “uma breve introdução” a um livro de 300 páginas?Ao final do livro, diz: Epílogo: agora estamos prontos para começar a estudar a Historia da Estupidez. E nada se segue.

O Professor Pitkin foi um homem muito sensato. Sabia que toda uma vida era muito pouco tempo para cobrir ainda que um fragmento de tão vasto tema. Assim, publicou a Introdução, e isso foi tudo.

Pitkin estava muito consciente da carência de trabalhos prévios sobre o assunto. Ele tinha a sua disposição uma equipe de investigadores a qual pôs a realizar pesquisas nos arquivos da Biblioteca Central de Nova York. Nada encontraram. Segundo Pitkin, havia somente dois livros sobre a matéria: Aus der Geschite der menschlichen Dummheit de Max Kemmerich, e Über Dummheit de Leopold Loewenfeld. Infelizmente não entendo alemão, apesar de “Dummheit ” me parecer suficientemente claro; e creio que Kemmerich e Loewenfeld tiveram abundância especial de material para seus estudos, levando em conta o que aconteceu na Alemanha em 1933 e nos anos seguintes.

Na opinião de Pitkin, quatro de cada cinco pessoas tem quociente de estupidez suficientemente grande para ser chamadas “estúpidas”. Isso equivaleria a quinhentos milhões de pessoas, à época que ele escreveu o livro; agora são mais de quatro bilhões. Esse número por si já é bastante estupidez.

Ele observou que um dos problemas da Estupidez é que ninguém tem uma definição realmente boa. De fato, os gênios são amiúde considerados estúpidos por uma maioria estúpida (apesar que ninguém tem, tampouco, uma boa definição de genialidade). Mas a estupidez definitivamente existe, e há muito mais dela do que sugerem nossos mais terríveis pesadelos. De fato ela domina o mundo – o que é claramente comprovado pela forma com que ele é governado.

Porém, cinqüenta anos depois, alguém chegou com uma definição bastante interessante. Seu nome é Carlo M. Cipolla, Professor Emérito de Historia Econômica em Berkeley. Todos seus livros foram publicados em inglês, exceto três. O primeiro foi publicado por “Il Mulino” em Bolonha em 1988.

Nesse livro há um pequeno ensaio intitulado As Leis Básicas da Estupidez Humana, que talvez seja o melhor de tudo que já foi escrito sobre a matéria.

As Cinco Leis da Estupidez, segundo Carlo Cipolla, são as seguintes:

Primeira Lei: Sempre subestimamos o número de pessoas estúpidas.

Isto não é tão obvio como parece, diz Cipolla, porque:

a) pessoas que pensávamos ser racionais e inteligentes, de repente mostram-se estúpidas sem dar margem a dúvidas; e

b) dia após dia somos afetados em tudo que fazemos por gente estúpida que invariavelmente aparece nos lugares menos apropriados.

Ele também observa que é impossível estabelecer uma porcentagem, já que qualquer número que escolhamos será pequeno demais.

Segunda Lei: A probabilidade de que uma pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica de sua personalidade.

Se estudamos a freqüência da estupidez nas pessoas que limpam as salas de aula depois que os alunos se foram e nos professores, verificaremos que nestes últimos ela é muito más alta do que esperávamos. Poderíamos supor que ela está relacionada ao baixo nível de educação, ou ao fato de que as pessoas não estúpidas têm melhores oportunidades de conseguir bons empregos. Mas quando analisamos os estudantes ou os professores universitários (ou, adicionaria eu, os programadores de computador) a distribuição de estupidez é exatamente a mesma.

As militantes feministas podem exultar-se, disse Cipolla, mas o quociente de estupidez é o mesmo em ambos os gêneros (ou em tantos gêneros ou sexos você decida considerar). Não há nenhuma diferença no fator de estupidez, seguindo Cipolla, quando são comparadas as raças, a condição étnica, a educação etc.

Terceira Lei (a de Ouro): Uma pessoa estúpida é alguém que ocasiona dano a outra pessoa, ou a um grupo de pessoas, sem conseguir vantagem para si, ou mesmo com prejuízo próprio.

(Voltaremos a essa Lei, porque é o conceito central da Teoria de Cipolla)

Quarta Lei: As pessoas não estúpidas sempre subestimam o poder de causar dano das pessoas estúpidas. Constantemente elas se esquecem que em qualquer momento, e sob qualquer circunstância, associar-se com gente estúpida invariavelmente constitui-se em erro com prejuízo.

Isso sugere (diria eu) que as pessoas não estúpidas são assim mesmo um pouco estúpidas – mas voltarei a esse ponto ao final.

Quinta Lei: A pessoa mais perigosa que pode existir é a estúpida.

De todas as Leis, essa é provavelmente a mais facilmente entendida, si bem que somente porque é do conhecimento comum que as pessoas inteligentes, sem importar quão hostis elas sejam, são previsíveis, enquanto que as pessoas estúpidas não o são. Ademais, seu corolário básico: Uma pessoa estúpida é más perigosa que um bandido, nos conduz à parte medular da Teoria de Cipolla.

Existem quatro tipos de pessoas, disse ele, dependendo de seu comportamento em uma transação:

O Infeliz (ou desesperado): alguém cujas ações geram prejuízo próprio, mas que também criam vantagens para outros.

O Inteligente: alguém cujas ações geram vantagens, igualmente para si e para os outros.

O Bandido: alguém cujas ações geram vantagens para si, ao mesmo tempo que causam danos a outros.

O Estúpido: já temos esta definição na Terceira Lei.


O Professor Cipolla usa um gráfico que se assemelha ao que segue:


grafico


Onde:

I = inteligente

S = estúpido (do inglês stupid)

H = infeliz (do inglês hapless)

B = bandido

O eixo dos X’;s mede as vantagens ara si obtidas pelas ações de alguém.

O eixo dos Y’s mede as vantagens de outra pessoa (ou grupo).

Obviamente, as pessoas da região “I” são inteligentes, as pessoas da região “B” são bandidas, pessoas da zona “H” são desafortunadas ou azaradas, e pessoas da região “S” são estúpidas.

Também é bastante claro que, dependendo da localização no gráfico, a pessoa tenderá a um maior ou menor quociente de estupidez, inteligência, banditismo, etc. Pode-se desenvolver uma grande variedade de combinações, tais como as de bandidos espertos e bandidos estúpidos, dependendo da razão vantagem/prejuízo. (a quantidade de prejuízo, observa Cipolla, deverá ser medida pela perspectiva da vítima, não pela do bandido, o que faz com que a maioria dos ladrões e criminosos sejam considerados bastante estúpidos).

Suponho que daqui por diante cada um de nós possa utilizar este gráfico para estudar a estupidez e aplicar a Teoria de Cipolla em todas as suas múltiplas variantes possíveis.

Mas isso não é ainda o final de a historia.


grafico


Se traçamos uma linha diagonal através do gráfico, resulta que toda a zona que se encontra do lado superior direito corresponde a uma melhora no equilíbrio global do sistema, enquanto que os eventos (e as pessoas) do outro lado estão relacionadas a uma deterioração.

Ao estudar as variáveis em cada um dos quatros setores, pode-se fazer vários tipos de combinação, tais como: Sh e Sb, Ib e Ih, Hs e Hi, ou dividir o gráfico na quantidade de sub-setoresque quiser.

Por exemplo, a linha “M” no lado inferior direito do gráfico, indica a posição do “bandido perfeito”: alguém que ocasiona exatamente tanto dano aos outros quanto vantagem para si. Obviamente, em ambos os lados da diagonal temos situações de bandidos “imperfeitos” – Bi corresponde a os “bandidos inteligentes” e Bs a “bandidos estúpidos”.

Em um mundo povoado exclusivamente por “bandidos perfeitos”, o sistema como um todo ficaria equilibrado; os danos e as vantagens se cancelariam mutuamente. O mesmo efeito ocorreria em um mundo povoado exclusivamente por pessoas “perfeitamente azaradas”.

É óbvio que as pessoas inteligentes são as que mais contribuem para a sociedade como um todo. Mas, por mais triste que possa parecer, os bandidos inteligentes também contribuem para uma melhora no equilíbrio da sociedade, pois provocam globalmente mais vantagens que danos. As pessoas “infelizes-inteligentes”, apesar de perdedoras individualmente, perdem também ter efeitos sociais positivos.

Sem dúvidas, apenas quando a estupidez entra em cena, é que o dano é consideravelmente maior que o beneficio para qualquer pessoa.

Isso comprova o ponto de vista inicial: o único fator perigoso em qualquer sociedade humana é a estupidez.

Como um historiador, Cipolla chama a atenção para o seguinte: se o fator de estupidez é constante através do tempo e do espaço, uma sociedade forte em ascensão tem uma porcentagem maior de gente inteligente, enquanto que uma sociedade que declina tem uma alarmante porcentagem de bandidos, um forte quociente de estupidez (sub-área Bs no gráfico) entre as pessoas em posição de poder, e uma igualmente alarmante porcentagem de Infelizes (área H) entre aqueles que não estão no poder.

Onde estamos agora? Essa é uma boa pergunta!

Cipolla também observa que as pessoas inteligentes geralmente sabem que o são; os bandidos também estão conscientes de sua condição, e mesmo as pessoas azaradas têm uma suspeita de que não estão bem. Mas as pessoas estúpidas não sabem que são estúpidas, e esta é uma razão a mais por que são extremamente perigosas.

Isso me remete, é claro, a dolorosa pergunta inicial: serei eu estúpido?

Tenho passado por vários testes de quociente de inteligência e conseguido boas qualificações. Infelizmente sei como funcionam esses testes e sei que não provam nada.

Várias pessoas me dizem que sou inteligente. Mas isso tampouco serve de prova para qualquer coisa. Talvez essas pessoas me tenham demasiada consideração para dizer a verdade. Por outro lado, elas poderiam estar usando minha estupidez para seus próprios fins. Ou, poderiam simplesmente ser tão estúpidas quanto eu.

Tenho, porém, um pequeno resquício de esperança: freqüentemente estou completamente consciente do quanto eu sou estúpido (ou tenho sido). E isso indica que não sou completamente estúpido.

Em algumas ocasiões, procurei localizar-me no gráfico de Cipolla, utilizando como termômetro, tanto quanto possível, resultados mensuráveis de minhas ações, em vez de opiniões. Dependendo da situação, parece que me situo ao redor do lado superior do gráfico, entre as áreas Ds e Ib; mas em alguns casos fico desesperadamente perdido em Sh. Nem sempre consigo ficar localizado no lado direito da diagonal com a freqüência que desejo.

Em uma escala maior, a expectativa é que os fatores mais fortes de êxito se localizem nos sub-sectores Ib e Bi. Entretanto, a enorme quantidade de pessoas Sb e mesmo Sh que fizeram carreiras maravilhosas só pode ser explicado por um forte desejo de parte de muitos líderes de estar rodeados de tantas pessoas estúpidas quanto possível.

Quando li o livro, gostei tanto que escrevi uma carta a Carlo Cipolla. (Fiz esse tipo de coisa apenas duas vezes em minha vida). Para minha surpresa, ele me respondeu, de modo breve mas amável.

Eu lhe fiz duas perguntas:

a. “Posso ter o texto inédito da versão em inglês, para meus amigos de fala inglesa?”

A resposta foi não. (Não disse porquê, mas tenho uma suspeita).

b. “Que pensa do meu ’corolário‘ a sua Teoria?”

Nesse caso a resposta foi, “Bem... porquê não? talvez...” – que interpretei como uma entusiástica aprovação e adesão ao:

Corolário de Livraghi à Primeira Lei de Cipolla: cada um de nós tem um quciente de estupidez, que é sempre maior do que supomos.

Isso leva a um gráfico tridimensional, e não acho que deva mostrá-lo a você, porque nenhuma pessoa estúpida teria a coragem de ler até esse ponto.

Obviamente, pode-se introduzir outras variáveis, tais como os próprios quocientes H e B, e os quocientes S, H e B de outras pessoas. Ou talvez seja sensato esquecê-los, já que nunca são suficientes; não obstante, pode-se considerar o fator B, porque mesmo a mais generosa das pessoas pode comportar-se algumas vezes como um bandido, ainda que por erro. Esses fatores adicionais geram modelos multidimensionais que podem se tornar um tanto difíceis de manejar. Porém, mesmo que consideramos somente nossos valores individuais no quociente de estupidez, a complexidade pode ser enorme.

Tente. E assuste-se de verdade.




O poder da estupidez – Segunda parte

Terceira parte – A estupidez do poder



Homepage Gandalf
home